Semana Nacional dos Museus: Memória viva - Entrevista com Prof. Dr. Fábio Hering

Maio 21, 2025

Assista à entrevista:

Após a Segunda Guerra Mundial, os museus passaram a ser repensados como espaços sociais e políticos, o que deu início a uma série de transformações nas discussões museológicas. No Brasil e na Europa, esses debates ocorreram em contextos diferentes: enquanto na Europa os museus já estavam consolidados como instituições de memória, por aqui eles se afirmavam aos poucos, entrelaçados à construção da ideia de patrimônio e identidade nacional.

Historicamente, os museus modernos surgem entre os séculos XVIII e XIX, quando o Estado moderno começa a se organizar e inventar o cidadão como sujeito de direitos. Nesse processo, os museus foram instrumentos de nacionalização: espaços voltados à preservação do que se considerava o “tesouro” do Estado. Os museus tradicionais são marcados por estruturas formais, presença de especialistas, acervos organizados e ações de restauração. Na virada entre os séculos XVIII e XIX, essas instituições se dedicam à criação de coleções e à organização do conhecimento em sistemas científicos próprios. Com o tempo, especialmente a partir das revoluções e movimentos sociais do século XX — como o de Maio de 1968 —, surgem novas concepções, como a dos ecomuseus, em que as comunidades passam a preservar suas próprias histórias, fora do modelo tradicional institucional.

A museologia no Brasil começa a se estruturar como campo profissional e científico na década de 1930, mas é só a partir dos anos 1970 que se consolida como disciplina acadêmica. É uma ciência recente, em constante diálogo com áreas como a sociologia e a filosofia. Segundo o professor Dr. Fábio, da UFOP, a chamada “nova museologia” adota uma abordagem mais humanista e social, influenciada inclusive por pensadores como Paulo Freire. Nesse modelo, o museu deixa de ser apenas um repositório de objetos e passa a ser compreendido como espaço de comunicação e troca.

Professor da UFOP, Fábio é chefe de departamento e trabalha com temas como a relação entre museus e cidades, patrimônio cultural e teoria museológica. A UFOP, segundo ele, foi a primeira instituição a oferecer o curso de museologia no turno noturno, o que ampliou o acesso à formação profissional.

Ao falar sobre juventude, Fábio defende que os museus precisam se tornar espaços próximos do cotidiano das pessoas. É fundamental mostrar às crianças e jovens que todos vivemos em contato com a memória — e que todos carregamos objetos com valor simbólico. Ele próprio cita como exemplo um cachimbo que guarda até hoje e que, mesmo tendo mudado de uso, continua evocando lembranças importantes. A educação museal, segundo ele, deve dialogar com disciplinas como história e geografia e desenvolver a percepção das dimensões simbólicas presentes no cotidiano.

Em relação ao cenário contemporâneo, Dr. Fábio aponta o exemplo do Museu Queer, que enfrentou dificuldades para ser inaugurado, como um símbolo dos desafios atuais da museologia. Para ele, o processo de patrimonialização deve envolver diretamente a sociedade e o papel do museu e de instituições como o IPHAN, que historicamente foram marcados por um viés elitista, deve ser o de apoiar, reconhecer e legitimar as memórias já existentes nas comunidades, oferecendo suporte — inclusive financeiro — para sua preservação.

O uso de novas tecnologias também foi tema da conversa. Segundo Dr. Fábio, é inevitável que os museus contemporâneos explorem recursos como modelos tridimensionais, digitalização de acervos e dispositivos portáteis. Esses meios podem ampliar o acesso e a compreensão do público. No entanto, ele faz um alerta: é preciso preservar a experiência sensorial e presencial nos museus. O contato direto com o objeto e o monumento oferece uma pausa, um “respiro”, em meio ao excesso de telas. Para ele, não se deve demonizar a tecnologia, mas compreender seus limites e possibilidades no diálogo com a experiência museal. Nesse sentido, no programa, podemos falar como a instituição museológica deve estar em conexão com as demandas de musealização que partem da sociedade, dando voz a comunidades e caminhando junto com elas ("Musealização" refere-se ao processo de transformar um objeto ou um lugar num elemento de patrimônio cultural, geralmente com vista à sua preservação e divulgação em museus ou espaços similares).

Por fim, Fábio deixa uma provocação: qual é o museu do século XXI? Para ele, será um museu com outros sujeitos, mais aberto à diversidade de vozes, mais atento às questões sociais e mais comprometido com a construção coletiva da memória.

por Natalia Pereira, estagiária da Rede Minas.

ENTREVISTADO
NOME: Prof. Dr. Fábio Hering
CRÉDITO:  Coordenador LAMUPi (LABORATÓRIO DE PESQUISA EM MUSEOLOGIA, TEORIA MUSEOLÓGICA E PATRIMÔNIO)
INSTAGRAM: @heringfabio
Sobre o convidado (a): Professor do Departamento de Museologia da UFOP. Bacharel e Licenciado em História pela UFSC. Mestre e Doutor em História pela UNICAMP. Ele prefere ser chamado de Fábio.

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